João Suzuki - Fantasia aprisionada
Por: Agda Carvalho
João Suzuki – Fantasia Aprisionada traz o reconhecimento da produção desse artista, filho de imigrantes japoneses, que atuou efetivamente no ambiente cultural paulista desde o fim de 1950 e permaneceu dialogando com os contextos até 2010. A proposta curatorial apresenta uma seleção de trabalhos que vislumbram um mapeamento do processo desse artista, que observava o mundo com um filtro peculiar –um homem contido, de poucas palavras, mas intenso na poética e na abordagem dos acontecimentos.A exposição tem caráter retrospectivo e desvenda a leitura que o artista estabeleceu com a realidade circundante. Nesse percurso, identificamos um olhar atento e sensível aos fatos e às histórias que são reveladas em suas composições. Encontramos uma minuciosa e requintada conjugação dos elementos plásticos que explicitam o sentido da condição humana, tanto no aspecto íntimo quanto no social.
João Kanzou Suzuki nasceu em Mirandópolis, em 1935, mudou-se para Santo André, em 1951,e logo iniciou seus estudos com o artista João Rossi, em São Paulo.Dessa aproximação começou uma amizade. Em 1953, abriu seu ateliê na Rua da Glória, no bairro da Liberdade, onde permaneceu até 1964.Posteriormente, o artista trabalhouem sua residência, em Santo André.
Sua produção está relacionada à articulação da realidade com o fantástico,e suas personagens estão aprisionadas, entre as várias interferências e paisagens. O tratamento pictórico expõe uma atmosfera em que as figuras são delineadas com precisão.
As primeiras produções elaboram um reconhecimento, ou quase um registro, dos eventos que o artista presenciou, ao conhecer a cidade. No trabalho dos anos 1950,Mulher que descia a Rua da Gloria vestida de estopa, a silhueta de uma figura feminina, está envolta em uma penumbra. Os tons terrosos cercam uma presença solitária na noite da metrópole.
O desenho – que é incessante durante o trajeto do artista– revela o estado do mundo e das coisas, na representação dos minidramas cotidianos.Os trabalhos buscam a leitura dos sonhos e das aflições que atormentam os indivíduos e suas relações, o que é observado com os trabalhos dos Catadores de papel – indigentes, s.d.e no desenho do Solitário, de 1959.
Com Morte de Tiguidim ou Guerreiro do século XX, de 1966, encontramos o reflexo da tensão da ditadura militar no Brasil A morte do guerrilheiro é um episódio que impulsiona a realização dessa obra. É importante destacar, que o próprio João Suzuki,vivenciou o sentido desse tempo com sua prisão, em 1969. Cada momento constrói seu repertório e continua, de certa forma, entranhado em muitos trabalhos, pois o artista absorve o significado da movimentação do entorno.
Transitar por seu universo é enriquecedor; encontramos, nos trabalhos realizados nas décadas de 1960 e 1970, um período da cultura brasileira em que os artistas, entre tantas outras formas de expressão, articulavam com o realismo fantástico. Suas composições pincelam nas situações o essencial, que permanece imerso no clima surreal.
Na série dos Ovoides, o artista mergulha em questões da ancestralidade oriental e resgata paisagens e figuras que aparecem em seu imaginário. Reorganiza os materiais que são descartados, o que denuncia os tamanhos variados dos Ovoides. A madeira aparentemente desgastada pelas intempéries é reutilizada e transformada com a pintura e a manipulação de materiais. Nesse espaço, deposita os desejos, as angústias e as inquietações captadas no entorno.
Em trabalhos como o Ovoide, de 1978, o artista apresenta imagens absorvidas em manchas e cores que conjugam situações fantásticas e reverberam subjetividades que estão ocultas no significado da obra.
As figuras surgem nos Ovoides em meio aos veios e nervuras das madeiras que foram ressignificadas com a intervenção do artista. As personagens sãoresgatadas, e de certa forma, permanecem camufladas e fusionadas no espaço ovalado. Após o embate entre a figura e a abstração, acontece a mistura e o equilíbrio estético.
Tanto nas propostas imagéticas, quanto na composição de poemas haicais que nomeiam muitos de seus trabalhos, é evidente, nas soluções poéticas, que no processo e na prática o artista aspira aos elementos de seu tempo.
As circunstâncias particulares instauram o anseio de um novo lugar; a obra é um objeto de vivência, e com a Sociedade ReligiosaMarikari, João Suzuki evoca uma espiritualidade que transforma sua produção na década de 1980. Realiza trabalhos densos, com a justaposição de personagens, em meio a cores saturadas, como em May/nunki-iye-casa, de 1983.
Outro tempo se instala com os anos de meditação, enos deparamos também, com a leveza e asuavidade, em Anotação do tema para ser lembrado (árvore da vida), 2001.
Os trabalhos expostos trafegam entre a realidade e os devaneios do artista, que ora revelam a figura com a redução de traços e pinceladas, ora optam pelo excesso de formas e de matéria, que estão em um aparente aprisionamento poético.
João Suzuki materializa os anseios de um tempo e desperta com as questões pessoais o desejo de entendimento do entrecruzamento de imagens, que estão em conexão com a realidade. Expõe uma figuração singular, que permanece na fronteira da representação naturalista e do fantástico, entre manchas e texturas que desafiam e intrigam o observador.
Agda Carvalho.
JOÃO SUZUKI
Fantasia Aprisionada
Caixa Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111 de AGO /SET -2012