Por que ir à Bienal de São Paulo?

Por:  Walter Miranda
Pois é, esta pergunta ecoa na cabeça de muitas pessoas. Mesmo de algumas que estão diretamente relacionadas com as artes plásticas, profissionalmente. A questão existe porque, geralmente, muitas pessoas não entendem o conteúdo ou as propostas dos trabalhos expostos nos três andares do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera. Aliás, a maioria acha que os trabalhos lá expostos não passam de porcaria (alguns não passam mesmo!) e que é pura perda de tempo passar horas e horas tentando entender o ininteligível. Só não vivem esse dilema as pessoas que visitam a Bienal apenas por modismo.

Penso que a estória seria bem diferente se nossos adolescentes aprendessem na escola o básico sobre artes plásticas e sua história. Infelizmente muitos professores de educação artística não foram formados para entender o que se passa no mundo das artes plásticas ou não têm estrutura escolar adequada para ensinar seus alunos. Não há carga horária suficiente para o ensino das artes nos currículos escolares e quando os professores tentam criar projetos que facilitem o aprendizado das artes, eles são desencorajados por alguns diretores.

É o caos! Pois a maioria da população não aprende os conceitos mínimos para o entendimento das artes plásticas e a maioria dos indivíduos que se tornam artistas plásticos também não aprendem o mínimo necessário para criar obras de artes de conteúdo inteligível e características técnicas sérias.

Além disso, muitos artistas estão mais preocupados em agradar os curadores das mostras do que se comprometer com o público. Eles se esforçam ao máximo para explicar suas temáticas aos críticos de arte, jornalistas e curadores mas não se preocupam se o público vai entender sua proposta. Aliás, eles acham que o público é que tem que se esforçar para entendê-los. Assim um círculo vicioso se fecha: parte da população não entende o que está exposto nas exposições de arte dita de vanguarda e parte dos artistas criam obras totalmente herméticas, onde apenas alguns iniciados entendem o que está exposto sendo que, o resultado é o desinteresse.

Mas isto não ocorre apenas nas Bienais de São Paulo. Qualquer evento que reuna trabalhos artísticos conceituais (e que não tenham uma conotação realista) cria uma sensação de distanciamento por parte do espectador.

Entretanto, milhares de pessoas freqüentam as Bienais. Por que?

A resposta é simples: as pessoas têm sede de conhecimento e gostam de refletir quando devidamente provocadas. Eu mesmo já experimentei passar horas e horas observando o comportamento de visitantes da Bienal e perguntar sobre suas impressões. Minha conclusão é que, quando os trabalhos são inteligíveis para o público, eles não só são atraentes como provocam reflexões de toda ordem. Isso também tem acontecido na atual Bienal que, para mim, é a melhor das últimas cinco edições. Portanto, ir à Bienal de São Paulo (ou a qualquer exposição de artes plásticas) é um exercício de auto-aprimoramento, pois a verdadeira arte sempre nos instiga e provoca reflexões que repercutem de alguma maneira em nossa vida pessoal. Nesse sentido, o tema “Iconografias Metropolitanas”, possibilitou a reunião de trabalhos diretamente relacionados com os questionamentos provocados pelo modo de vida urbano contemporâneo que afetam direta e indiretamente o nosso dia a dia. Somente por isso, já valeria a pena ir à 25a Bienal de São Paulo!
 
Portanto, em plena vigência da 25a Bienal de São Paulo, vale a pena discorrer sobre o tema que norteou sua organização, bem como sobre alguns dos trabalhos expostos.

Uma série de crises financeiras e políticas provocou não só o adiamento da Bienal por várias vezes, bem como a renúncia do curador Ivo Mesquita e a indicação do primeiro estrangeiro como curador da Bienal de São Paulo, o alemão Alfons Hug, ex-diretor do Instituto Goethe de Brasília entre 90 e 94. O tema escolhido “Iconografias Metropolitanas” serviu de idéia para uma pesquisa (limitada a bem da verdade) sobre a produção artística nas grandes cidades do mundo. Essa idéia foi muito feliz porque, em geral, a temática urbana tem sido muito explorada pelos artistas contemporâneos. Tanto é que, o conteúdo exposto se aplica bem ao tema determinado pela curadoria, se bem que uma minoria de artistas apresentou trabalhos interessantes mas que nada tem a ver com a temática proposta, mas isto sempre ocorre.

A montagem conta com trabalhos de 190 artistas de 70 países.
A exposição foi dividida em dois módulos: As representações nacionais e o núcleo principal. As representações nacionais seguem um modelo tradicional onde cada país indica um artista, sendo que o Brasil é a exceção, pois participa com uma coletiva de 21 artistas.

Já o núcleo principal apresenta onze exposições correspondentes a onze cidades (Berlim, Caracas, Istambul, Joanesburgo, Londres, Moscou, Nova Iorque, Pequim, São Paulo, Sidney e Tóquio) e uma exposição correspondente a uma imaginária 12a cidade onde estão expostos trabalhos de 12 artistas de vários países e que abordam utopias referentes ao caos da sociedade contemporânea.

O artista de Formosa (Taiwan), Chien-Chi-Chang, denuncia a miséria da condição humana através de fotos de internos de um manicômio, em Taipé, acorrentados aos pares. O contraste entre as expressões individuais (algumas otimistas) e a realidade das correntes, fornece ao espectador um amplo repertório metafórico de interpretações, mas a leitura é universal. Nesse sentido, as fotos de Andreas Gursky mostrando os funcionários da Bolsa de Valores de Hong Kong no computador, provocam a mesma sensação das fotos do manicômio. O silêncio é tão barulhento quanto nas bolsas tradicionais. Também a instalação de José Rufino, realizada com móveis de escritório, carimbos e desenhos, sugerindo a crucificação do homem contemporâneo pela burocracia, pode ser associada com a loucura humana nos centros urbanos.

As fotos da artista africana Ruth Motau mostrando a vida dos sem-tetos de Joanesburgo, que ocupam prédios abandonados para lá viver com as mínimas condições de vida, lembram bastante os sem-tetos da cidade de São Paulo, México, etc.

Já as fotos de Michael Wesely e Frank Thiel mostram a roda viva da reconstrução de Berlim e o frenesi dos canteiros de obras onde quarteirões inteiros estão sendo demolidos e novos estão sendo construídos.

A instalação do russo Alexander Brodsky composta de 20 contêineres, alinhados em quatro filas, com 1 abertura em cada fila para que se possa observar o conteúdo, mostra uma cidade imensa feita de cerâmica. O resultado é fascinante e lúdico, pois confunde os espectadores devido à ilusão de finitude/infinitude provocada pelos espelhos laterais.

As fotos do artista ucraniano Taras Polataiko mostram vistas panorâmicas de cidades fotografadas por satélites. As fotos foram recortadas como peças de um quebra-cabeças e montadas sobre chapas de vidro, mostrando a ilusão que o ser humano tem de que a tecnologia lhe permite decifrar e controlar a natureza.
Muito interessante e atual o trabalho do artista brasileiro Arthur Omar, que viajou ao Afeganistão em janeiro/2002 para “buscar os Budas explodidos de Mamiyan”. O trabalho apresenta não só as imensas fotos das imagens destruídas pelos Talibãs mas mostra também fotos de cidades destruídas pelos bombardeios americanos. Dada a dimensão das fotos, a impressão que fica demonstrada pela atitudes dos afegãos, que apesar de tanta destruição não perderam sua dignidade, é que a vida sempre continua, não importa a desgraça material.
O trabalho do palestino Sliman Manseur denominado “Jardim” apresenta toda a simplicidade que uma obra de arte busca. Um bloco de terra (4m x 4m x 0,10m) rachada, como o solo seco do nordeste brasileiro, contem diversas flores pintadas em sua superfície fragmentada. As recentes notícias do massacre provocado pelos israelenses nas cidades palestinas, colocam o tema em sintonia com a proposta do artista (o nascimento de um Estado palestino mesmo em uma terra sofrida e cheia de agruras) O resultado metafórico pretendido chega a ser romântico e poético, devido à simplicidade formal.

A montagem do artista brasileiro José Bechara de 9 quadros feitos com couro de boi cria um efeito visual que certamente enganou a maioria dos visitantes, que pensou serem quadros pintados.

Entretanto, a única impressão negativa que me fica é que ou o vídeo não é uma linguagem apropriada para exposições de artes plásticas, ou a maioria dos artistas que insistem em fazer vídeos ainda não entendeu as especificidades dessa linguagem. Eles continuam usando, sem conhecimento técnico, uma linguagem cinematográfica que exige um roteiro, onde a leitura é passiva e necessita de um longo tempo de assistência e assimilação. Não funciona! O resultado tem sido dezenas de salas de vídeos abandonadas, onde o público entra, percebe a armadilha, torce o nariz e dá meia volta. Dos vários visitantes que entrevistei ouvi a resposta de que a maioria dos vídeos apresentados são longos demais, cansativos, monótonos e muito pobres de conteúdo tanto estético quanto metafórico. Minha conclusão é que, mesmo quando interessantes os vídeos não conseguem prender a atenção dos espectadores por muito tempo. Se longa, a proposta não se coaduna com a intenção dos visitantes. Eles não vão à Bienal dispostos a ver esses vídeos como se estivessem em uma sala de cinema.
Em função de minha pesquisa, menciono os vídeos que agradaram ao público em geral, porque são curtos e inteligíveis:

A instalação vídeo projeção do português João Tabarra apresenta uma fonte d’água vista por baixo, de onde pode-se ver as moedas que são atiradas na água e o som da queda. Com pouca informação e duração o vídeo coloca o espectador desse espaço urbano tradicional em uma posição insólita, provocativa e até mesmo lúdica.

A vídeo instalação da polonesa Katarzyna Kozyra denominada “Aula de Dança” apresenta 6 vídeos com 3 homens presos pelas axilas. Os poucos e limitados movimentos deles ora transmitem a sensação de rebeldia, ora de conformismo ou cinismo, que é percebido pelas expressões faciais. A maioria dos entrevistados sentiu-se incomodada e, por isso, achou o resultado interessante.
A instalação do artista austríaco Georg P. Thomann composta de vídeos, fotos, pinturas, desenhos, painéis luminosos, etc. demonstra as dicotomias da sociedade contemporânea, desde as injustiças de sistemas financeiros, burocracias, ditaduras, até a violência dos atentados de 11 de setembro. Apesar de tantos detalhes, a união de tantas técnicas diferentes é harmônica e acessível ao visitante, prendendo sua atenção.

O vídeo dos artistas australianos Rodney Glick e Lynnette Voevodyn montado com 24 câmaras de filmagem ao longo de uma rodovia na Austrália e mostrando 245 fluxos paralelos em uma única tela de vídeo denominada “Terremoto”, cria uma sensação perfeitamente familiar a todo morador de uma cidade urbana. Em poucos segundos tem-se a sensação de expectativa que os artistas planejaram provocar.

Finalizando, repito que a escolha do tema para a atual Bienal foi muito feliz, pois ela se coaduna perfeitamente com a abordagem dos artistas contemporâneos. Além disso, salvo algumas exceções, impera uma coerência entre a proposta e o resultado visual que não se via nas últimas Bienais.

Vale a pena ver!
Walter Miranda – 2002

Nenhum comentário

  1. Deixe um comentário

    Seu comentário foi enviado com sucesso. Em breve estará disponível nesta página!
    Obrigado!