Canto para Octávio Araújo
Por: Jacob Klintowitz
Eles estão indo embora e para os que sabem ver fica o encantamento: em algum momento eles nos trouxeram a luz e a sombra, os inesperados seres míticos e as cavernas e as paisagens onde habitam mistérios. Agora, no dia 26 de junho, morreu Octávio Araújo (1926-2015). Desta vez ele não me telefonou no dia 28 para o abraço carinhoso. Antes dele, para elencar apenas os seus amigos próximos, morreram Aldemir Martins, Mário Gruber e Marcello Grassmann. Estas ausências estão muito presentes.
Talvez o traço pessoal mais marcante do homem Octávio Araújo fosse a sua ilimitada doçura e a amorosa compreensão dos amigos. E o do artista tenha sido a sua incansável busca de qualidade e o desejo de identificar o fantástico além da aparência do cotidiano.
Certa feita eu fiquei comovido com alguns desenhos seus bem distantes do seu habitual surrealismo. Eram figuras de mulheres registradas com extraordinária maestria e delicadeza. Era o ano de 1982 e nos unimos, Clara, Octávio, galeria André e eu e, com limitados recursos, fizemos um livro, “Octávio Araújo. O desenho e o feminino.”. O Octávio me dedicou um exemplar bem do seu jeito: “... recebo de você este livro tão bem feito e com um texto tão inteligente... me esforçar daqui para a frente no sentido de aperfeiçoar o meu trabalho...”. Sempre a humildade dos que sabem muito.
Pensei em reproduzir pequenos recortes deste texto de 33 anos atrás como uma elegia ao artista Octávio Araújo e ao homem e a sua permanente ternura.
“... Este personagem feminino está despojado de vestes ritualísticas, não oficia qualquer culto e, através dele, nada pode ser visto. O seu corpo não é transparente, não é janela para uma paisagem e não há, além de si mesmo, qualquer verdade.”
“Estão juntos apenas os dois: o artista que contempla e registra e a mulher, contemplada, contempladora e personagem. A mulher está em si mesma, voltada para o seu estar, concentrada, permanente, estável. Mas está presente o olho do outro, aquele que a contempla e medita, o artista que a registra. Nesta série há sempre dois personagens, um registrado, uma imagem criada. Outro, o criador, aquele que a pensou.”
“A condição da mulher está presente nestes desenhos. Não há nada neles que não seja esta condição. O corpo feminino é observado minuciosamente. Há um detalhamento de sua carne, de sua postura, de sua concretitude. Mas esta observação é apenas o primeiro sinal da verdadeira observação. O desenho volta-se para estudar este estar no mundo, esta condição primeira, este ser mulher. São desenhos sobre a condição feminina. Haverá alguma particularidade no ser feminino? Haverá especificidade nesta condição?”
“O desenho não pode responder a estas perguntas. Mas pode nos colocar no mesmo posto de observação do artista e, juntamente com ele, contemplar este ser feminino.”
Jacob Klintowitz